
André Vallias
Pois é. Quase 50.
Impacta, né?
A mim impactou, nesse começo de ano. Vou fazer 48 em maio. E 48 é “quase 50”. Né.
Eu nunca liguei pra idade. Achava graça no ditado da Freira – que eu não conhecia ainda, só conheci agora na formatura da minha mãe : “Depois que eu trintei, nunca mais contei”. Achava graça e me irritava um pouco: como assim? Ainda mais que era ela, minha mãe, que retomava o ditado, quando lhe perguntavam a idade. Eu ficava magoada: se tirassem a idade da minha mãe, lhe tirariam a história, e com a história… eu. Era como se minha mãe estivesse querendo me “apagar” da vida dela.
Já disse em outro lugar:
não gosto quando dizem que eu pareço mais jovem. Não gosto, em primeiro lugar, porque não é verdade: eu não durmo em tupperware, nem parei de mudar com alguma idade pra trás. Mais jovem, eu era diferente. Só sou assim agora porque vivi o que vivi, sofri o que sofri, gargalhei quando deu, chorei um monte – que eu choro à beça, pra caralho ou mais – e… como diria o Neruda, de saudosa memória, “confesso que vivi”. E não vou botar a cabeça embaixo da asa, não vou fazer de conta que não, não vou renegar os anos: são meus, me trouxeram até aqui, e como taurina possessiva que sou não cedo nenhum deles. Se gosto de mim hoje, é por conta desse caminho.
Quando eu disse, foi há três anos: eu tinha 45 então, e era “bem no meio”. Esse ano, desde o começo do ano, tenho, na minha cabeça, quase 50. E, por um momento, me assustei. Aí fui ali cuidar de coisa e outra, tomar um café, encontrar a galera no Cardosão, dar uma olhada no mar, ler um pouco de Simone que anda me pautando por esses tempos (vá saber). Senti o vento no rosto. E me alegrei. Essa idade, 48, na astrologia, é fechamento de um ciclo – o quarto ciclo de Júpiter. Júpiter, planeta do crescimento, dos “vôos de águia” que ajudam a dar contexto e a sair do olhar míope da proximidade; o planeta dos estudos superiores, das longas viagens. Júpiter, o “grande benéfico” dos antigos, o planeta da boa fortuna, regente de Sagitário, “ao infinito e além”.

Júpiter tem um ciclo de doze anos: doze, vinte e quatro, trinta e seis, quarenta e oito. O quarto ciclo de Júpiter. Fechando, e começando um novo. Cada um desses fechamentos corresponde a um momento extremamente importante da minha vida. E a um novo começo. Vou contar só do primeiro, meu leitmotiv, recorrente de tanto que me explica. Aos doze, eu estava voltando de uma longa viagem. Eu-forasteira. Em carne viva, chegando ao Rio de Janeiro sem entender nada. As gírias. As roupas. Os modos. Os jeitos. Uma dor e um alumbramento. O primeiro ciclo de Júpiter a gente nunca esquece.
Esse ano, tô me sentindo próxima dessa menina aí, a dos doze anos, de olhos assustados, de jeito de bicho do mato. Essa aí que dizia que tinha frio de gente, e que tinham pisado com botas pesadas no seu jardim. A “desgarrada das gentes”. Próxima, porque por baixo de todas as camadas, essa aí ainda sou eu. Próxima, pelo afeto com que olho pra ela, ela-eu, e me alegro de tanto caminho percorrido. Te tanto pau, de tanta pedra, de tanto fim do caminho. Do fundo do poço. Do pouco sozinho.
Depois disso tudo, olho pra ela-eu hoje, e penso que andei. Que hoje não tenho mais medo de dançar em festa, embora a menina de doze anos apareça de vez em quando na hora de dançar de rosto colado. Que não gaguejo mais e que falo pra platéias grandes e pequenas, falo em plenárias, falo até em rádio, olha só. Me alegro que escrevo no Biscate, que vagueio no Chopinho, que faço mapas e falo de economia e traduzo de um pro outro, que é a minha verdadeira vocação.
Olho pra menina-eu de hoje, ao final do quarto ciclo de Júpiter, e vejo-a tão boba, tão palhaça, tão de riso solto como sempre. Ou talvez mais. Mais livre, mais tranquila, mais segura, certamente. Tão inquieta, tão curiosa, tão gulosa de vida e de comida mesmo como sempre. Com algumas cicatrizes a mais, como não. E outras histórias pra contar.
Vai ter festa esse ano. Festa de dança, pra celebrar o quarto ciclo de Júpiter. Como se deve. Provavelmente uma festa conjunta, com outros aniversariantes de maio. Gente querida. Tanta gente querida. E meu coração já fica quentinho só de pensar.
Caminho andado, caminho por andar: tá sendo gostoso esse caminho, viu. Não “fácil”. Nem sempre tranquilo. Mas bom de andar. Com seus perrengues, com seus percalços. Mesmo que de vez em quando fique tudo escuro e não pareça. Bom de andar, sim.
Esse texto de hoje é pra todo mundo que tá chegando lá comigo: tamos começando outro, galera. Ainda tem muito chão pela frente. A chuva ainda não chegou. Borandar. Dançar. Chorar. Gostar.
Continue a nadar, diz a Dory.

Olho pra frente, pra quem já andou mais do que eu, e vejo caminhos a percorrer. Olho pra trás, e cuido das lembranças que me fazem quem sou hoje. Agradeço, todo dia, sempre. Continuo a nadar.

Renata by João